domingo, 30 de outubro de 2016

Lutero e a Igreja corrompida no século XVI?



LUTERO E A IGREJA CORROMPIDA NO SÉCULO XVI?
A tradicional tese posta em xeque

Por Giacomo Martina


Durante séculos inteiros, católicos e protestantes, de forma independente, vieram repetindo que a chamada Reforma surgiu devido aos abusos e desordens tão generalizadas, na época de então, na Igreja e, sobretudo, dentro da Cúria Romana. Esta tese se tornou clássica, por assim dizer, na historiografia.

Idade Média, séculos de luzes
As culpas da Igreja foram humildemente confessadas já desde os primeiros tempos de Adriano VI em suas instruções ao núncio da Alemanha; diz Chieregati: "É imposta a reforma da Cúria, da qual provavelmente derivam todos os males, para que assim como dela surgiu a corrupção de todos os súditos, assim também dela se difunda a saúde e a reforma de todos". Repetem as mesmas ideias os autores do plano de reforma apresentado ao Papa Paulo III em 1537 e vários padres do concílio de Trento, desde o cardeal Madruzzo em seu discurso de 22 de janeiro de 1546 ("para nossos adversários, esta foi a primeira causa de sua separação") ao cardeal Lorena em sua chegada a Trento na terceira etapa do concílio, em 23 de novembro de 1562: "Por nossa culpa explodiu esta tempestade".

Desde então, esta tese foi repetida ad nauseum, no século XVII por Bossuet, em XIX pelo historiados inglês Lord Acton ("a massa de cristãos queria melhorar por meio da reforma ao nível do clero: lhes eram insuportável a administração dos sacramentos por mãos sacrílegas, não podiam tolerar que suas filhas se confessassem com sacerdotes incontinentes...") e ressurge hoje dentro do atual clima ecumênico.


Mas já desde o início do século esta concepção começou a ser severamente criticada: Imbart de Tour, católico, observava em 1905 que também outras épocas existiram graves abusos sem que, por isso, se chegasse a um confronto com Roma. Em 1916, o historiador protestante Georg von Below negava categoricamente que Lutero fosse filho de um convento corrompido e se perguntava por que a Reforma não surgiu na Itália, onde a situação moral e religiosa não era melhor do que a da Alemanha.

Em praça pública, Lutero queima o Corpus Iuris Canonici, símbolo da
autoridade pontifícia, e a bula papal Exurge Domine, que condenava seus erros
Mais recentemente um valdense italiano, Miegge, levantava o problema de como uma Igreja em plena decadência pudesse ter conseguido produzir um movimento tão vital e poderoso. Poder-se-ia dizer que hoje católicos e protestantes estão de comum acordo em rechaçar esta tese ou, seja com maior ou menor fundamento ou rigor científico, corrigir ou apagar a tradicional imagem da cristandade corrompida moralmente ou ainda em investigar nos protagonistas da Reforma, baseando-se nos seus próprios testemunhos, quais foram os objetivos que propunham e as motivações pelas quais eram influenciados. E a verdade é que numerosos textos nos apresentam a ideia de que os reformadores não objetivavam arrancar os males morais e melhorar a disciplina deteriorada, mas extirpar tudo o que lhes pareciam superstição.

Para isso se recorda como Guillaume Farel, guiando um grupo armado, assaltava as igrejas e não para castigar a imoralidade dos párocos, mas para arrancar-lhes das mãos a hóstia consagrada e, dessa forma, acabar com a fé na presença real. São muitas as declarações de Lutero que parecem refutar a tese tradicional: "Nossa vida é tão má como a dos papistas, mas nós não os condenamos por sua vida prática. O problema é outro: é o de ensinar a verdade". "Ainda que o Papa fosse santo como são Pedro, não deixaria de ser para nós um ímpio".


O verdadeiro pecado dos sacerdotes é o de trair a verdade, declarava Lutero em 1512 quando, todavia, era católico. E em 1520, em seu opúsculo 'A nobreza cristã da nação alemã', o reformador destaca que entre os abusos deve-se corrigir a distinção entre sacerdote e laicato, o magistério supremo do pontífice e seu direito de convocar concílios. "Não recrimino as imoralidades e nem os abusos, mas a substância e a doutrina do papado".

A relação entre Renascimento e a insurreição protestante segue sendo, todavia, objeto de vivas discussões.


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Fonte: Giacomo Martina. História da Igreja de Lutero a nossos dias - Vol. I: O período da reforma. Edições Cristandad.

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